O despertar do Espírito
Revista Espírita, outubro de 1860

(Médium, senhora Costel.)

      Quando o homem deixa seu despojo mortal, ele sente um espanto e um ofuscamento que o mantêm algum tempo indeciso sobre seu estado real; não sabe se está morto ou vivo, e as suas sensações, muito confusas, precisam longo tempo para clarearem. Pouco a pouco, os olhos de seu Espírito são ofuscados pelas diversas claridades que o cercam; segue toda uma ordem de coisas, grandes e desconhecidas, que primeiro tem dificuldade em compreender, mas logo reconhece que não é mais do que um ser impalpável e imaterial; procura seu despojes e se espanta de não mais encontrá-lo; é algum tempo antes de que lhe retorne à memória do passado, e o convença de sua identidade. Olhando a Terra que vem de deixar, vê os seus parentes e os seus amigos que o choram, e o seu corpo inerte. Enfim, seus olhos se desligam da terra e se elevam para o céu; se a vontade de Deus não o retém no solo, ele se eleva lentamente e sente-se flutuar no espaço, o que é uma sensação deliciosa. Então a lembrança da vida que deixa lhe aparece com uma clareza, desoladora mais frequentemente, mas consoladora algumas vezes. Eu te falo aqui do que senti, eu não sou um mau Espírito, mas não tenho a felicidade de ocupar uma classe elevada.

     A gente se despoja de todos os preconceitos terrestres; a verdade aparece em toda a sua luz; nada dissimula as faltas, nada esconde as virtudes; vê a sua alma tão claramente como num espelho; procura-se, entre os Espíritos, aqueles a quem se conheceu, porque o Espírito se assusta com o seu isolamento, mas eles passam sem se deterem; não há comunicações amigáveis entre os Espíritos errantes; mesmo aqueles que se amaram não trocam sinais de reconhecimento; essas formas diáfanas deslizam e não se fixam; as comunicações afetivas estão reservadas aos Espíritos superiores que permutam os seus pensamentos. Quanto a nós, nosso estado transitório não serve senão ao nosso adiantamento do qual nada pode nos distrair, as únicas comunicações que nos são permitidas são com os humanos, porque elas têm um objetivo de utilidade mútua que Deus prescreveu.

       Os maus Espíritos contribuem também para o adiantamento humano: servem para as provas; se lhe resistem, adquirem-se méritos. Os Espíritos que dirigem os homens são recompensados por um grande abrandamentos de suas penas. Os Espíritos errantes não sofrem da ausência de comunicações entre eles, porque sabem que se reencontrarão; eles não têm senão mais ardor para chegar no momento em que as provas cumpridas se lhes tornem os objetos de sua afeição, que não pode se exprimir, mas que jaz latente neles. Nenhum dos laços que contraímos sobre a Terra é quebrado; as nossas simpatias se restabelecerão na ordem em que elas existiram, mais ou menos vivas segundo o grau de calor ou de intimidade que elas tiveram.

Georges.

Allan Kardec  -  Revista Espírita de outubro de 1860

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